Uma pergunta recorrente
dos amigos com os quais o autor comenta sobre as questões de poligamia aqui
estudadas dizem respeito aos ciúmes femininos. Como uma mulher poderia suportar
a presença de outra como algo natural? Assim como o homem sente ciúmes da
mulher, por fundamentos biológicos já bem estudados, quase lugar-comum, que é o
de não criar descendentes de outros, não haveria um fundamento biológico no
sexo feminino também, o de manter o provedor e protetor próximo para que os
filhos, em ambiente natural primitivo, tivessem maiores chances de
sobrevivência? Seriam os ciúmes um sentimento isonômico que se dá da mesma
maneira em homens e mulheres?
Qualquer proprietário de
um cão sabe que existe ciúme dentre os animais. Assim que chega um novo
cachorrinho ou um bebê na casa, o antigo “reizinho” se manifesta contrário à
invasão, mas não é disso que se fala aqui, mas sim do ciúmes de origem sexual.
Entre os machos das
diversas espécies é bem conhecido a imposição de territorialidade: carneiros se
cabeceiam, elefantes marinhos se trucidam, macacos se espancam e galos se
depenam pelo privilégio das fêmeas. Nada novo.
Porém, no reino animal,
raramente se veem fêmeas brigando pelo privilégio do macho dominante. Talvez até
aconteça e este comportamento foi verificado no zoológico de El Paso, no Texas,
quando uma tigresa atacou e matou o tigre macho[1] que estava em um
“triângulo amoroso” com outra tigresa na jaula, mas não é um comportamento
comum e não se tem como saber se foi realmente um acesso de ciúme da fêmea. Se
existe ciúme das fêmeas no reino animal, a ciência ainda não tem certeza.
Assim, diferente das
demais espécies animais, qual é a razão biológica por que o ser humano
desenvolveu o ciúme feminino?
Quando se fala de seres
humanos alguns fatos devem ser levados em consideração ao estudar-se o
fenômeno.
O primeiro deles é que o
ciúme se dá normalmente em relação da esposa oficial à amante e não o contrário.
Aquela que sabe que o homem é casado normalmente se mantém no seu silêncio e
discrição. Ainda que possa existir a interiorização do sentimento, é comum que
a esposa só descubra da sua existência quando aparecem filhos crescidos ou
quando a concubina aparece chorando no velório.
A sociedade, aliás, vê a outra como uma espécie de usurpadora, de
destruidora de lares, de pessoa indigna e maquiavélica, e não na real dimensão
humana, de uma pessoa que ama e que busca a felicidade.
Maior é o tamanho deste
preconceito quando se compreende o “princípio da tampa da panela”, que preconiza que não há um único homem para uma única mulher, mas, dependendo da faixa etária, tem-se aproximadamente quatro
mulheres para cada homem na nossa sociedade, de maneira que existe um grande
contingente de amantes e um enorme número de famílias poligâmicas não
oficializadas.
A primeira constatação,
portanto, é a de que o ciúme é um sentimento proprietário, e não feminino, pois
nem todas as mulheres envolvidas em uma relação amorosa o demonstram, mas
normalmente ocorre na Primeira.
Um filme brilhante a esse
respeito é o Lanternas Vermelhas[2], em que a primeira esposa
de um rico comerciante da China do início do século XX planeja a derrocada da
quarta esposa, bem mais jovem. As “irmandades”, as “sister-wives”, como têm
sido chamadas as esposas de casamentos poligâmicos nos Estados Unidos, parecem
obedecer a uma hierarquia, em que a primeira, normalmente a mais velha, parece
ser a dirigente do lar.
O sentimento de ciúme que
a esposa “oficial” ou a “primeira” esposa sente, parece se manifestar tanto em
sociedades monogâmicas, como poligâmicas.
Nas sociedades
poligâmicas, no entanto, outro fenômeno se manifesta que é a ausência de ciúme
quando já existe uma relação afetiva entre as pretendentes. É comum a primeira
esposa intimar o marido dos motivos pelos quais ele não desposa a sua irmã ou
amiga próxima que enfrenta necessidades financeiras[3]. A poligamia é vista pelas
próprias mulheres envolvidas como um comportamento, não só natural, mas também
desejável para um melhor equilíbrio social.
É, portanto, válido se
pensar que o ciúme não e um sentimento isonômico, que se manifesta da mesma
maneira para o homem e para a mulher e nem da mesma maneira entre a mulher
“proprietária” e a mulher “intrusa”.
Tudo indica que os ciúmes
femininos são sentimentos proprietários, apreendidos culturalmente, e não um
imperativo biológico universal. Este é o motivo porque a palavra “corno” não
tem feminino.
[1]
Disponível em: http://blogs.discovery.com/animal_news/2011/09/tigress-snaps-kills-mate-in-deadly-zoo-love-triangle.html.
Acesso em 01 Mar 2014.
[2]
Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0101640/?ref_=fn_al_tt_1. Acesso 02
Set 2014.
[3]
Apenas um exemplo, dentre muitos que ocorrem em países poligâmicos, em que a
esposa obriga o esposo a se casar com outra, Disponível em: http://chatosechatolin.blogspot.com.br/2013/04/professora-obriga-noivo-se-casar-com.html.
Acesso 02 set 2014.
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